<<both were young and passionately intense in their love for beauty>>
-Clarke Olney, <<Benjamin Robert Haydon: Historical Painter>>.
Talvez de todos os versos que já li até aqui, os mais encantadores são os dois derradeiros de «Ode on a Grecian Urn», de John Keats. São o suficiente para me fazer ficar num estado de intensa meditação, passando então o dia assim meio distraído (ou totalmente). Fico parecendo melancólico, aflito, a cara de quem estaria preocupado com alguma coisa. Confirmo isto ao escutar minha esposa indagando se está tudo bem comigo. Está tudo bem, sim. Apenas estou arrebatado pelo arrebatamento do poeta.
Não dá para acreditar no tempo tão curto — mas tão produtivo — ao mesmo tempo — em que John Keats produziu sua poesia. Talvez o principal entre 1816 e 1820. Suas odes começaram a ser feitas só em 1819, em torno de Maio. É desse período que surge a «Ode on a Grecian Urn», ou «Ode sobre uma Urna Grega». Sabe-se que dois ensaios do pintor inglês Benjamin Robert Haydon, ambos publicados no mesmo mês de Maio de 1819, foram a inspiração central para a composição da ode keatsiana. O pintor, aliás, foi apresentado a Keats em 1816, desde então mantendo uma forte amizade, mas que, no período da composição das primeiras odes (1819) já estava algo distante, e assim ficaria até a morte de Keats, dois anos depois.
Fora os ensaios de Haydon, o contato de Keats com outras obras de arte — certamente ele teve direta ou indiretamente esse contato — podem ter servido para, afinal, idealizar a Urna do poema. Ao ler os versos de «Ode sobre uma Urna Grega», apesar de o eu-lírico fazer pensar que todas as cenas estariam incrustadas na superfície de uma mesma urna; também não seria errado supor elas terem sido «tiradas» de diversas peças de arte diferentes.
«A beleza é a verdade», diz John Keats, «a verdade, a beleza». Os versos na tradução de Augusto de Campos me visitam a cabeça como costumo achar ali, inesperadamente, uma canção qualquer que fica sendo cantada.
O verso tem me perseguido, fixou-se em minha memória. Me esquecerei dele algum dia? Há tempos, esse «dístico imortal» vem retornando para mim tão voluntariosamente.
Entendo hoje ser John Keats um arrebatado contagioso. Pois cada um de seus versos são o reflexo de seus arrebatamentos. Desde momentos com os amigos até encontrar-se estupefato diante de uma obra de arte, ou absorvido pela leitura de um livro. Mas antes de ter a mínima idéia do contexto da ode, pensei dele estar cansado das grandezas de seu tempo. Mais adequado, acho, seria dizer: desiludido delas. Consciente e sensível das próprias dores antes das dos outros, entendeu que se ele as tem, os outros hão de ter as suas próprias também.
Mas na Urna Grega ele encontra um escape, ela o envolve em uma redoma, ficando então escondido dos sentimentos despertados pela realidade do tempo corrente e suas consequentes dores. Encontrar-se-ia então de todo entregue ao encanto, ao êxtase, ao alívio, e à felicidade que a Beleza proporciona.
Olhar para o belo e ver nele a totalidade. Acreditar, concluir estar vendo naquilo não apenas o exterior, como também o interior revelado.
Tão horrível foi para Dorian Gray perceber em meio a sua sublime formosura uma deformidade na alma. A «harmonia do corpo e da alma» que Basil via outrora e refletida em Dorian, assim desfeita.
A Beleza pode ser a verdade para os que querem evitar a verdade. Assim tentaram os fariseus dos Evangelhos; como também tentou o mencionado Dorian Gray, do romance de Oscar Wilde.
A verdade é tão terrível — penso agora — porque tanto desfaz quanto engrandece a Beleza.
Beleza de texto, caro.